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Escuta!

A Igreja conserva uma sabedoria fundamental para a nossa existência fundada no conhecimento profundo das Sagradas Escrituras. A Bíblia é uma extraordinária história de amor. Deus elege um povo, faz com ele uma Aliança de amor eterno, e na sua infinita misericórdia deu-lhe mandamentos para que não se perdessem no caminho. Assim lhes comunicou pela boca de Moisés: «Agora, Israel, ESCUTA as leis e os preceitos que eu hoje vos ensino. Ponde-os em prática para que vivais e chegueis a possuir a terra que o Senhor, Deus dos vossos pais, vos há-de dar» (Dt 4, 1). 

A oração do Shemá, rezada ao amanhecer e ao anoitecer, é afirmação vibrante desta pertença a Deus, e de como Ele é O Único a quem se pode confiar toda a vida. É uma belíssima profissão de fé, fundada numa experiência de amor, testemunhada na vida de um povo. «ESCUTA, Israel! O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único! Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Estes mandamentos que hoje te imponho estarão no teu coração. Repeti-los-ás aos teus filhos e reflectirás sobre eles, tanto sentado em tua casa, como ao caminhar, ao deitar ou ao levantar. Atá-los-ás, como símbolo, no teu braço e usá-los-ás como filactérias entre os teus olhos. Escrevê-los-ás sobre as ombreiras da tua casa e nas tuas portas»  (Dt 6, 4-9). 

Escutar é a atitude primeira de quem se quer deixar conduzir pelo Amor de Deus. A escuta manifesta a disponibilidade para viver à maneira de Deus, ter como critério o Amor que Ele é, e que gratuitamente se oferece. A afirmação de que Ele é Único garante a liberdade de quem não se deixa alienar por todas as seduções de senhores que apenas querem escravizar o povo. A escuta ensina a obediência, resposta de amor a quem primeiro nos ama. 

Quando nos criou, Deus dispôs-nos anatomicamente para a escuta. Deu-nos dois ouvidos e apenas uma boca para que aprendêssemos como é mais importante ouvir do que falar. Para aprender a falar é necessário começar por ouvir. A escuta é mais do que ouvir porque implica um acolhimento profundo da palavra, guardar no coração para concretizar na vida. As nossas relações só podem crescer se forem processos de escuta mútua. Disponibilidade para ouvir o outro e desejar crescer na entrega recíproca do que cada um tem de melhor. 

Impressiona ver como neste mundo escuta-se tão pouco. Existe um terrível medo do silêncio, porque este é erroneamente sinónimo de vazio. Os mais diversos sons preenchem o quotidiano da vida, mas a disponibilidade para a escuta é quase inexistente. Quando deixamos de escutar o outro perdemos a capacidade de o conhecermos. A fragilidade de muitas relações tem como principal causa o desconhecimento do outro, apesar de passarem tempo juntos nunca aprenderam a escutar-se.

Ensina o Papa Francisco: “Escutar com o coração é muito mais do que ouvir uma mensagem ou trocar informações; trata-se de uma escuta interior capaz de intercetar os desejos e as carências do outro, de uma relação que nos convida a superar os esquemas e vencer os preconceitos com que às vezes classificamos a vida daqueles que nos rodeiam. Escutar é sempre o início de um caminho. O Senhor pede ao seu povo esta escuta do coração, uma relação com Ele que é o Deus vivo”.

O tempo do Advento, ao dispor-nos para acolher Jesus que vem, ensina-nos a arte da escuta. No meio deste mundo cheio de palavras vãs e de ruídos ensurdecedores é necessário dispormo-nos para escutar a Palavra que nos dá vida. A sabedoria da fé transforma a nossa existência porque nos torna capazes de ir mais além. A escuta implica assim um estar aberto ao Amor, a aventurar-se numa entrega a Quem já se deu totalmente, começando num presépio e consumado na Cruz.

A 8 de Dezembro celebramos a nossa Mãe do Céu, a Imaculada Conceição da Virgem Maria, Rainha de Portugal e nossa padroeira. Ela que foi preservada de toda a mancha do pecado é para nós o modelo mais belo da maravilha que é escutar e deixar-se amar. Porque o fez perfeitamente com Deus tornou-se dom para toda a humanidade. Aprendamos com ela e supliquemos a sua intercessão.

Pe. Ricardo Franco
Edição 1380 - 6 de Dezembro de 2024