Os voluntários que inspiram
- Categoria: Editorial
Ao longo da nossa vida existem acontecimentos que teremos sempre dificuldade de aceitar, sobretudo quando são difíceis de entender. Há circunstâncias que nos surpreendem de tal forma que abalam as nossas certezas, e põe a descoberto as muitas ilusões que preenchem o nosso quotidiano. A humildade é uma virtude fundamental que nos capacita para respondermos com sabedoria e fortaleza aos imprevistos e às surpresas constantes da nossa existência.
No Evangelho, Jesus exorta-nos à vigilância como forma de aprendermos a aceitar o que não estamos à espera. “Estejam apertados os vossos cintos e acesas as vossas lâmpadas. Estai preparados, vós também, porque o Filho do Homem chegará na hora em que menos pensais” (Cfr Lc 12, 35.40).
O Apóstolo São Paulo, no escrito mais antigo do Novo Testamento, faz a mesma advertência aos primeiros cristãos: “Com efeito, vós próprios sabeis perfeitamente que o Dia do Senhor chega de noite como um ladrão. Quando disserem: «Paz e segurança», então se abaterá repentinamente sobre eles a ruína, como as dores de parto sobre a mulher grávida, e não escaparão a isso. Mas vós, irmãos, não estais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão. Na verdade, todos vós sois filhos da luz e filhos do dia. Não somos nem da noite nem das trevas. Não durmamos, pois, como os outros, mas vigiemos e sejamos sóbrios” (Cfr 1 Ts 5, 2-6).
O cristão procura sempre no Senhor o sentido para a existência, olha para os acontecimentos à luz da Palavra, acredita que a vida não é feita de sorte ou azar, que não existem acasos, mas sempre uma providência divina que nos projecta para uma plenitude maior, ainda que por vezes esta se revele no meio do sofrimento e da dor. O olhar da fé ensina a confiar, a esperar no Senhor, porque é sempre Ele que vem encontrar-se connosco. Nós somos suas criaturas, e se tivermos a graça de receber a vida de Jesus seu Filho, reconhecemos n’Ele um Pai que nos ama e jamais nos abandona.
Nestes dias, ao ver a calamidade da natureza que se abateu em Valência, onde mais de 200 pessoas morreram de forma trágica, e milhares foram afectados por prejuízos incalculáveis, senti-me verdadeiramente pequeno, e unido na oração ao sofrimento de quem não conheço, mas que não me é indiferente. Diante de tão grande tragédia o meu olhar volta-se sempre para o Senhor, não na busca de respostas fáceis sobre as causas da tragédia, mas como no meio de tanta desgraça é possível ver a Luz que vem do céu.
Um dos jovens da minha catequese respondeu de forma belíssima à interrogação que lhes fiz sobre onde estava neste acontecimento a bondade de Deus repetida no poema da criação, e de como era possível ver Deus a falar no meio de tanta destruição. De forma surpreendente ele respondeu: «Em todos os voluntários que foram ajudar!» É verdade! No mundo dominado pelo egoísmo e lógicas do ‘salve-se quem puder’, despedaçado por guerras e conflitos, amesquinhado pela exploração dos ricos provocando terríveis desigualdades sociais e que muitos vivam abaixo do limiar da pobreza, foi possível testemunhar a tremenda generosidade de centenas que largaram o conforto das suas casas para irem ajudar de forma voluntária e gratuita as vítimas de um terror jamais imaginado.
Uma perigosa ilusão do mundo em que vivemos é fazer-nos acreditar que as pessoas são donas e senhoras do seu destino e do que as rodeia. É mentira! A vida é um dom e as coisas são nos concedidas por um tempo limitado (a duração da nossa existência terrena), para as administrarmos de forma que estas se possam multiplicar para bem de muitos outros. O melhor que podemos fazer com a nossa vida é colocá-la ao serviço, e tentarmos, no que estiver ao nosso alcance, contribuir para que outros o façam também.
Uma amiga interpela-me muitas vezes para escrever de forma positiva e que dê ânimo a quem perde tempo a ler estas linhas. O exemplo dos voluntários de Valência não se trata apenas de um facto positivo, mas verdadeiramente de algo inspirador. Quando queremos somos capazes de calçar umas galochas e ir limpar a lama que destruiu a vida dos outros.