A cidadania que nos interessa
- Categoria: Editorial
A liberdade de expressão e de pensamento é uma das vantagens de viver numa sociedade democrática regida por valores universais afirmados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O desenvolvimento da vida social implica a atenção aos desafios de cada tempo, e de como lhes responder de forma construtiva. O perigo gravíssimo das ideologias está em quererem impor a ideia à realidade sem outro objectivo que não seja o domínio da vida em sociedade e o aniquilamento do livre-arbítrio.
Se tivermos atentos, com sentido crítico, e sem medo de pensar pela nossa cabeça, vemos que a cada passo os defensores de ideologias como a do género são incapazes de aceitar que exista outra coisa senão aquela que eles defendem e advogam como verdade indiscutível. Actualmente, já estamos muito para lá de uma lógica de tolerância, que em si pode ser muito perniciosa como se vê pelos resultados com que agora nos deparamos. Para estes autoproclamados defensores da liberdade, em que a pessoa pode ser o que quiser, numa autodeterminação em que o indivíduo se constrói a si mesmo, quem não pensa da mesma forma é apelidado de retrógrado, ou então está contaminado por algum extremismo de direita radical.
O que acabo de dizer fica provado pelas reacções imediatas de uma série de pessoas conotadas com esta ideologia, quando no dia 20 de Outubro o primeiro-ministro Luís Montenegro, na sua leitura do «sentir do povo português», anunciou a intenção de a propósito da disciplina Educação para a Cidadania «reforçar o cultivo dos valores constitucionais e libertar esta disciplina das amarras a projectos ideológicos ou de facção». De todas medidas propostas esta foi a que provocou maior reacção, conotando logo o primeiro-ministro com a direita radical.
Manuel Braga da Cruz, antigo reitor da Universidade Católica Portuguesa, a propósito desta discussão afirma com clareza: «Acho bem que exista uma disciplina de Cidadania, desde que balizem com muita clareza as matérias que devem ser lecionadas», mas também alerta para o facto de que «O Estado não pode orientar o ensino público por nenhuma ideologia, e sobretudo porque não compete ao Estado, mas sim às famílias, prioritariamente, a educação dos filhos em matéria tão delicada como é a educação sexual».
No mesmo sentido lembra que não existe nenhuma formação específica para se poder leccionar esta disciplina pelo que «Estamos a assistir a verdadeiras calamidades. E sabemos que em muitas escolas são convidados militantes de organizações que partilham esta ideologia e que dão aulas sem nenhuma competência, nem nenhuma legitimidade para o fazerem». Estes docentes estão, permanentemente, a “passar a ideia de que isto de ser homem ou mulher são construtos sociais e que o ser homem ou mulher é uma livre-opção de qualquer criança, independentemente da vontade dos pais”.
É urgente não nos resignarmos a discursos demagógicos que destroem os valores fundamentais do que nos faz ser pessoas. Viver em sociedade implica a capacidade de aceitar quem pensa de forma diferente, mas isso não pode pôr em causa a afirmação da identidade e do que se considera fundamental em termos pessoais e colectivos.
No mesmo sentido encontra-se a difusão massiva nas escolas e na sociedade em geral da prática do Halloween, que é, descaradamente, um culto pagão com referências satânicas explícitas. Basta pensar um pouco para se perceber que brincar com bruxas e toda a panóplia de evocações do mal, não vai trazer nada de bom às nossas crianças e a qualquer pessoa que se deixe enredar nesta teia de perdição.
A nossa tradição do ‘Pão por Deus’ no Dia de Todos os Santos é um tesouro que deve ser protegido e cuidado. Ao longo da nossa vida existem muitos desafios e momentos em que é difícil de encontrar sentido, como aconteceu no terramoto de 1755 (o ‘pão por Deus’ nasceu como súplica daqueles que tendo ficado sem nada imploravam alguma coisa para comer às portas das casas que não terão sido destruídas), mas se olharmos o céu descobriremos em nós capacidades maravilhosas de fazer o bem e de partilhar mesmo o pouco que temos, sempre por “por (amor de) Deus”.
A cidadania que nos interessa será apenas aquela que nos capacita para fazer da nossa vida um bem para os outros. Se olharmos a história veremos que os santos foram sempre quem melhor soube o que implica viver em sociedade, porque fizeram da sua existência a partir de Deus uma presença de Amor. Essa é a vocação de todos nós, porque só a santidade garante a felicidade.